terça-feira, 11 de agosto de 2015

Equipe da Feevale entrevista a diretora Camila Kamimura

Camila em coletiva de imprensa do Festival de Cinema de Gramado
Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto

Estreando na direção de um filme de ficção, Camila Kamimura veio a Gramado com Miss & Grubs, animação que conta uma história de amor em forma de fábula. Com foco em todos os públicos, o filme discute vários aspectos ligados a questões de afeto, amor e gênero. Camila conversou conosco sobre as diversas etapas da produção, o mercado de animação no Brasil e seus projetos para o cinema e televisão. Confira a entrevista completa:

A primeira exibição oficial de Miss e Grubs foi aqui no Festival de Cinema de Gramado. Como foi?
Eu não imaginava que a gente fosse entrar num festival desse tamanho. De verdade. Eu estou muito feliz. Acho maravilhoso que o festival dê essa oportunidade para a animação, porque as pessoas em geral, ou até agora, não consideravam a animação como uma narrativa válida para todas as idades. E isso tem mudado. O fato de a gente estar aqui na mostra só prova que as pessoas estão olhando para a animação com outros olhos.
Na coletiva de imprensa você falou da Pixar, que produz animações que funcionam tanto para adultos quanto para crianças. E em alguns casos até se nota que as crianças não entendem tanto o que está se passando em algumas cenas, pois envolvem sentimentos de adultos.
Antigamente as animações, quando foram criadas, eram para adultos. Isso de ser para crianças veio com o tempo. A Pixar, o Miyazaki, os próprios animadores do Japão e da China, trabalham com camadas narrativas, tratam a animação de fato como uma história, um roteiro completo de cinema mesmo. Acho que aqui no Brasil a gente começou a fazer isso um pouco depois. As pessoas começaram a enxergar isso que a gente fazia recentemente. E por isso a Disney sempre teve uma narrativa voltada à criança. E a Pixar veio com essa camada de narrativa por cima da história, são vários enredos, com plots muito profundos. Então tem a camada que a criança entende e a que só o adulto pega. E isso é uma delícia, eu vejo os pais levando as crianças no cinema e saindo felizes. E tem isso da animação alimentar a criança que está dentro de você, não pode deixar isso morrer, tem que continuar.
Os laços criados entre os protagonistas de Miss e Grubs lembram também o que o Miyazaki faz nos filmes dele, como em Meu Amigo Totoro (1988) e Ponyo (2008).
O Miyazaki é o nosso mestre, meu e do Jonas Brandão, que é o diretor de animação do filme. E é um presente quando a gente vê as pessoas fazendo esse paralelo.
Miss e Grubs entrou agora em nove festivais, é isso?
Sim. O que me surpreendeu foi que eu pensava que a gente fosse entrar mais em festivais de animação de categoria adulta. E de fato a gente conseguiu colocar essas duas camadas que as crianças assistem e elas enxergam essa história de amor perturbadora que os adultos enxergam, porque tem o repertório pessoal. Elas enxergam uma ratinha que arranjou um amiguinho na floresta, que é meio que um cachorro selvagem. E daí tem algumas confusões e eles ficam amigos. Porque, se você for ver, as crianças estão expostas a outro tipo de animação nos canais de TV que são bem mais agressivos.
Abordando a questão heteronormativa, você falou que não vê Grubs como um personagem masculino, enquanto as pessoas geralmente veem assim.
É. Em nenhum momento ele tem um falo. Não necessariamente ele precisa ser um personagem macho. E nem consigo ver ela (Miss) como fêmea, apesar de ter todos os traços bem femininos, mas a intenção é essa, que eles se completem de alguma forma. Ela causa muitas transformações nele. Ele vai ter um processo de doçura que vai acontecendo no personagem dele.
Então você acha que seria um bom caminho para falar com as crianças sobre questões de gênero através de animações?
Eu realmente acho que sim. Porque a fantasia despe as pessoas do que elas não estão preparadas para enxergar. O adulto tem essa visão, mas a criança não, ela não sabe se aquilo é um macho ou uma fêmea. E é dessa forma talvez que a gente vai plantando essa sementinha na cabeça das crianças. As pessoas não necessariamente precisam ter um gênero, é uma redução ruim dizer que esse personagem é macho, eu não acho necessário reduzi-lo a uma questão de gênero.
Já que a história do filme é sua, como foi passar os sentimentos dela para o resto da equipe?
Dirigir é sempre o exercício de você passar o seu universo particular para outras pessoas. A mágica acontece quando todo mundo está dentro daquele conceito e trabalhando com coisas novas. E isso aconteceu muito. Fazer esse curta, para mim, já é uma vitória porque o processo todo foi maravilhoso. Todos nós nos transformamos um pouquinho e trocamos narrativas pessoais para montar esse filme.
O que tem de ti nos personagens?
Muito, nos dois. Acho que é por isso que eu não acredito que Grubs seja macho. Porque nós temos essas polaridades, em algum momento a gente é mais agressivo, em outro mais passivo, isso existe dentro de nós, um ser mais selvagem e outro mais racional. E eu tenho essas duas polaridades. Essa história, para mim, faz muito sentido nas relações, eu vi essas histórias acontecendo, não só comigo. Eu também acho um absurdo a gente pensar que as relações têm começo, meio e fim. Essa é a questão que eu tento colocar no filme, a relação está sempre se transformando.
Por que a escolha do filme ser mudo?
Eu não consegui enxergar necessidade de diálogo nessa narrativa. Jamais pensei nisso. Na continuação eles falam, mas é uma outra etapa. Eles falam porque entram outros personagens e eles vão começar a interagir de outra forma com os novos personagens.
Como seriam essas continuações? Você comentou que a história está dividida em cinco atos, todos seriam curtas, ou isso não está definido?
É muito difícil financiar um longa de animação. E também todos da nossa equipe atuam em outras áreas, então eu não sei se a gente teria a dedicação necessária para fazer um longa de um fôlego só. E eu acho importante solta-lo aos pedacinhos, ter hiatos, e depois a gente cola. É um grande filme feito aos pouquinhos.
E a história pode ir mudando também, pois o pessoal da equipe se transforma do mesmo modo.
Sim, eu acho essa experiência do audiovisual maravilhosa, o fato de ter essa troca entre as pessoas. Quando você faz cinema, ou TV, não existe trabalho solitário. Você está no time. E é muito legal ter um time.
Tu desenhas também?
Não me considero uma pessoa que saiba desenhar. Eu tento melhor nos meus storyboards para que eles possam traduzir o que eu estou pensando. Porque animação é muito física, às vezes você tem uma ideia e ela não vai poder ser descrita em palavras, tem que ser desenhado.
Muitas vezes, quando se escreve para audiovisual, é algo muito mutável do papel para a tela. Quando se trabalha com animação, tu tens um controle maior disso?
Tem que ter um controle maior, porque a animação é feita quadro a quadro. E as decisões custam muito caro para se voltar atrás. Então a gente tenta esgotar todas as dúvidas em relação ao formato, enquadramento e postura dos personagens até a etapa de animação. A partir daí o que vai ser modificado são os movimentos dos personagens, que é a animação que dá. Por exemplo, ela está na floresta procurando um frutinho, então eu tenho aquele fundo da floresta, depois ela vai andar e chegar no momento em que tem o grilo, aí é outro fundo. Então todas as artes precisam ser desenhadas e coloridas para então serem colocadas em quadro, eu não posso mudar isso depois, essas decisões precisam vir bem antes. As pessoas perguntam qual a função do roteiro na animação, é igual a qualquer outro meio, é ser invisível. Tem que conversar com a obra inteira. Então o roteiro de animação tem que ser bem preciso para orientar o storyboard.
E os seus outros projetos?
Eu trabalho com TV e gosto muito do que faço, eu estou fazendo um para a GNT que se chama Médicos. Eu fiz um reality para a MTV que se chama “Deu Match”, esse é criação minha, e é sobre as pessoas se paquerando nessa época dos aplicativos. É um outro processo maravilhoso, com uma equipe que eu amo e com personagens muito queridos. É um docu-reality, que deve ir ao ar mais pro final do ano. Estou trabalhando também em outros projetos para diferentes canais, sendo um deles uma produção histórica que eu estou bem ansiosa para fazer, sobre a construção de Brasília pelo ponto de vista das pessoas que trabalharam, não sobre uma visão política. É uma ficção histórica, misturando essa narrativa das pessoas com material de arquivo. Deve sair pelo History Channel em 2017.


Giancarlo Couto, acadêmico do 7º semestre de Jornalismo

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