Camila em coletiva de imprensa do Festival de Cinema de Gramado Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto |
Estreando na direção de um filme de
ficção, Camila Kamimura veio a Gramado com Miss & Grubs, animação que conta
uma história de amor em forma de fábula. Com foco em todos os públicos, o filme
discute vários aspectos ligados a questões de afeto, amor e gênero. Camila
conversou conosco sobre as diversas etapas da produção, o mercado de animação
no Brasil e seus projetos para o cinema e televisão. Confira a entrevista
completa:
A primeira exibição oficial de Miss e
Grubs foi aqui no Festival de Cinema de Gramado. Como foi?
Eu não
imaginava que a gente fosse entrar num festival desse tamanho. De verdade. Eu
estou muito feliz. Acho maravilhoso que o festival dê essa oportunidade para a
animação, porque as pessoas em geral, ou até agora, não consideravam a animação
como uma narrativa válida para todas as idades. E isso tem mudado. O fato de a
gente estar aqui na mostra só prova que as pessoas estão olhando para a
animação com outros olhos.
Na coletiva de imprensa você falou da
Pixar, que produz animações que funcionam tanto para adultos quanto para
crianças. E em alguns casos até se nota que as crianças não entendem tanto o
que está se passando em algumas cenas, pois envolvem sentimentos de adultos.
Antigamente
as animações, quando foram criadas, eram para adultos. Isso de ser para
crianças veio com o tempo. A Pixar, o Miyazaki, os próprios animadores do Japão
e da China, trabalham com camadas narrativas, tratam a animação de fato como
uma história, um roteiro completo de cinema mesmo. Acho que aqui no Brasil a gente
começou a fazer isso um pouco depois. As pessoas começaram a enxergar isso que
a gente fazia recentemente. E por isso a Disney sempre teve uma narrativa
voltada à criança. E a Pixar veio com essa camada de narrativa por cima da história,
são vários enredos, com plots muito
profundos. Então tem a camada que a criança entende e a que só o adulto pega. E
isso é uma delícia, eu vejo os pais levando as crianças no cinema e saindo
felizes. E tem isso da animação alimentar a criança que está dentro de você, não
pode deixar isso morrer, tem que continuar.
Os laços criados entre os
protagonistas de Miss e Grubs lembram também o que o Miyazaki faz nos filmes
dele, como em Meu Amigo Totoro (1988) e Ponyo (2008).
O Miyazaki é
o nosso mestre, meu e do Jonas Brandão, que é o diretor de animação do filme. E
é um presente quando a gente vê as pessoas fazendo esse paralelo.
Miss e Grubs entrou agora em nove
festivais, é isso?
Sim. O que me
surpreendeu foi que eu pensava que a gente fosse entrar mais em festivais de
animação de categoria adulta. E de fato a gente conseguiu colocar essas duas
camadas que as crianças assistem e elas enxergam essa história de amor
perturbadora que os adultos enxergam, porque tem o repertório pessoal. Elas
enxergam uma ratinha que arranjou um amiguinho na floresta, que é meio que um
cachorro selvagem. E daí tem algumas confusões e eles ficam amigos. Porque, se
você for ver, as crianças estão expostas a outro tipo de animação nos canais de
TV que são bem mais agressivos.
Abordando a questão heteronormativa,
você falou que não vê Grubs como um personagem masculino, enquanto as pessoas
geralmente veem assim.
É. Em nenhum
momento ele tem um falo. Não necessariamente ele precisa ser um personagem
macho. E nem consigo ver ela (Miss) como fêmea, apesar de ter todos os traços
bem femininos, mas a intenção é essa, que eles se completem de alguma forma.
Ela causa muitas transformações nele. Ele vai ter um processo de doçura que vai
acontecendo no personagem dele.
Então você acha que seria um bom
caminho para falar com as crianças sobre questões de gênero através de
animações?
Eu realmente
acho que sim. Porque a fantasia despe as pessoas do que elas não estão
preparadas para enxergar. O adulto tem essa visão, mas a criança não, ela não
sabe se aquilo é um macho ou uma fêmea. E é dessa forma talvez que a gente vai
plantando essa sementinha na cabeça das crianças. As pessoas não
necessariamente precisam ter um gênero, é uma redução ruim dizer que esse
personagem é macho, eu não acho necessário reduzi-lo a uma questão de gênero.
Já que a história do filme é sua, como
foi passar os sentimentos dela para o resto da equipe?
Dirigir é
sempre o exercício de você passar o seu universo particular para outras
pessoas. A mágica acontece quando todo mundo está dentro daquele conceito e
trabalhando com coisas novas. E isso aconteceu muito. Fazer esse curta, para
mim, já é uma vitória porque o processo todo foi maravilhoso. Todos nós nos
transformamos um pouquinho e trocamos narrativas pessoais para montar esse
filme.
O que tem de ti nos personagens?
Muito, nos
dois. Acho que é por isso que eu não acredito que Grubs seja macho. Porque nós
temos essas polaridades, em algum momento a gente é mais agressivo, em outro
mais passivo, isso existe dentro de nós, um ser mais selvagem e outro mais
racional. E eu tenho essas duas polaridades. Essa história, para mim, faz muito
sentido nas relações, eu vi essas histórias acontecendo, não só comigo. Eu
também acho um absurdo a gente pensar que as relações têm começo, meio e fim. Essa
é a questão que eu tento colocar no filme, a relação está sempre se
transformando.
Por que a escolha do filme ser mudo?
Eu não
consegui enxergar necessidade de diálogo nessa narrativa. Jamais pensei nisso.
Na continuação eles falam, mas é uma outra etapa. Eles falam porque entram
outros personagens e eles vão começar a interagir de outra forma com os novos
personagens.
Como seriam essas continuações? Você
comentou que a história está dividida em cinco atos, todos seriam curtas, ou
isso não está definido?
É muito
difícil financiar um longa de animação. E também todos da nossa equipe atuam em
outras áreas, então eu não sei se a gente teria a dedicação necessária para
fazer um longa de um fôlego só. E eu acho importante solta-lo aos pedacinhos,
ter hiatos, e depois a gente cola. É um grande filme feito aos pouquinhos.
E a história pode ir mudando também,
pois o pessoal da equipe se transforma do mesmo modo.
Sim, eu acho
essa experiência do audiovisual maravilhosa, o fato de ter essa troca entre as
pessoas. Quando você faz cinema, ou TV, não existe trabalho solitário. Você
está no time. E é muito legal ter um time.
Tu desenhas também?
Não me
considero uma pessoa que saiba desenhar. Eu tento melhor nos meus storyboards para que eles possam
traduzir o que eu estou pensando. Porque animação é muito física, às vezes você
tem uma ideia e ela não vai poder ser descrita em palavras, tem que ser
desenhado.
Muitas vezes, quando se escreve para
audiovisual, é algo muito mutável do papel para a tela. Quando se trabalha com
animação, tu tens um controle maior disso?
Tem que ter
um controle maior, porque a animação é feita quadro a quadro. E as decisões
custam muito caro para se voltar atrás. Então a gente tenta esgotar todas as dúvidas
em relação ao formato, enquadramento e postura dos personagens até a etapa de
animação. A partir daí o que vai ser modificado são os movimentos dos
personagens, que é a animação que dá. Por exemplo, ela está na floresta
procurando um frutinho, então eu tenho aquele fundo da floresta, depois ela vai
andar e chegar no momento em que tem o grilo, aí é outro fundo. Então todas as
artes precisam ser desenhadas e coloridas para então serem colocadas em quadro,
eu não posso mudar isso depois, essas decisões precisam vir bem antes. As
pessoas perguntam qual a função do roteiro na animação, é igual a qualquer
outro meio, é ser invisível. Tem que conversar com a obra inteira. Então o
roteiro de animação tem que ser bem preciso para orientar o storyboard.
E os seus outros projetos?
Eu trabalho
com TV e gosto muito do que faço, eu estou fazendo um para a GNT que se chama
Médicos. Eu fiz um reality para a MTV que se chama “Deu Match”, esse é criação
minha, e é sobre as pessoas se paquerando nessa época dos aplicativos. É um
outro processo maravilhoso, com uma equipe que eu amo e com personagens muito
queridos. É um docu-reality, que deve
ir ao ar mais pro final do ano. Estou trabalhando também em outros projetos
para diferentes canais, sendo um deles uma produção histórica que eu estou bem
ansiosa para fazer, sobre a construção de Brasília pelo ponto de vista das
pessoas que trabalharam, não sobre uma visão política. É uma ficção histórica,
misturando essa narrativa das pessoas com material de arquivo. Deve sair pelo History Channel em 2017.
Giancarlo
Couto, acadêmico do 7º semestre de Jornalismo
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